sexta-feira, 17 de julho de 2009

A pura relação e o poliamor - I

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"Pura relação [...] [é] uma situação onde uma relação social se inicia apenas em função de si mesma, tendo em vista o que pode ser retirado por cada pessoa de uma associação sustentada com outra". - Anthony Giddens, 1993
Desde a primeira vez que li esta frase, no seu contexto, que me pareceu ouvir nela algo de poliamor(oso). A figura clássica, tradicional, arquetípica do casamento católico é a da célebre frase "até que a morte nos separe". Mas parece-me a mim que...

... o pessoal já não vai muito nessa cantiga (os dados acima correspondem a Portugal). (Se é que alguma vez foi realmente, especialmente a faixa masculina.) Mas mesmo que já antes não fossem, verdade é que a coisa ainda se disfarçava (entram aqui muitas histórias infelizes de casamentos que levavam as pessoas à beira da loucura, ou para lá dela); agora o disfarce também parece estar a ir dar uma volta.

Então as coisas "estão a mudar". Um bocado óbvio, não é? Talvez. Talvez não. Porque a pergunta ainda é a mesma: como é que estão a mudar? Em que sentido? Se ouvirmos um lado da questão, teremos a anomia social, ou coisa que o valha - há exagerados para tudo nesta vida. Mas, passemos agora para o outro lado. Questionemos a falta de identidade que acaba por estar na base da ideia da anomia social e se esta se pode livremente permutar com a ideia de perda de identidade social.

Quando olhamos o mundo a partir de uma certa perspectiva - e é inevitável que o façamos - podemos por vezes perder de vista a existência de outras perspectivas. É isso que me pergunto se não acontece a quem vê o desmoronar dos valores sociais. E quem está ali ao lado, a ver a coisa pelo seu ângulo, vê um conjunto de valores sociais que, para si, são claros como água. Porque, convenhamos - os valores sociais vêm de um conjunto de valores pessoais. Uma anomia quase requer uma amoralidade, uma ausência de valores pessoais. E quando se houve falar da falta de valores, o que se quer dizer é, habitualmente, falta de valores "como os meus".

E agora vem a pergunta: mas o que é que isso tem que ver com o princípio do post, e o pobrezinho do Giddens? Tudo. Os divórcios, os recasamentos, as alergias ao casamento, as "curtes", one-night stands, etc, etc, etc... - são falta de valores? Ou valores diferentes? A pura relação é uma relação constantemente em risco, constantemente ameaçada pela possibilidade que uma das partes já não esteja a retirar dela nada (de útil) para si mesma. Mas será que os valores em prol da pessoa, do indivíduo, do respeito pela auto-afirmação, do respeito pela independência são compatíveis com a alternativa - com a antítese! - desta pura relação?

Continua...

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