sexta-feira, 31 de julho de 2009

Modelos - I

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Um dos posts da semana passada fez-me pensar (junto com os comentários a ele) sobre um outro caso talvez bastante mais acessível às referências culturais de mais pessoas: 'Tilda' Swinton.

Em virtude da sua nomeação para os Óscares, fez-se acompanhar na cerimónia de um jovem que não é o pai dos seus rebentos. Obviamente, a imprensa na altura não pôde deixar de reparar no facto - e muitos poly-activistas também não, ao que parece. Mas olhe-se para a reacção de Swinton, numa entrevista ao The Independent britânico:

In fact, while Googling her, I found Swinton's name on several 'polyamory' websites, hailed as an inspiring example for the multi-partner lifestyle. Swinton takes this information with wryly exaggerated scepticism. "[its]Rrrrright[its].... Well, that's good. I'm sure there are red-headed websites that are claiming me, and people above a certain height. It's all fine," she sighs, cheerfully, "I'm friend not foe. One man's polyamory - is that the word? - is another man's being really, really good friends with the co-parent of one's children while we're both in other relationships. I don't think that's so strange. But maybe it is - and that would be really sad."

Parece que Swinton foge propositadamente à referência, aparentando não conhecer a palavra, numa tentativa de não se filiar necessariamente com algo que - possivelmente - não conhece realmente. Por outro lado, a expressão que ela usa - "claiming me" - e que se aplica tanto às notícias sobre poliamor como sobre pessoas altas, deve fazer-nos reflectir sobre um duplo problema.
  1. Qual é a lógica presente por detrás da referência a figuras conhecidas, famosas, para demonstrar a ideia de poliamor, e que outros efeitos pode isso ter?
  2. Qual é o significado de nos afirmarmos poliamorosos - ou de fugirmos a isso - no contexto da criação de identidades, tanto nossas como alheias?

Entre a lista de famosos corriqueiramente chamados a testemunhar silenciosamente está Simone de Beauvoir, com Sartre - aliás, é possível ver isso nos comentários do post que me levou a escrever este. Dessas pessoas, que de resto já estão mortas, conhecemos bastantes detalhes da vida privada, que nos fazem tomar conclusões sobre ela, conclusões que pelos próprios já não podem ser refutadas. Mas Swinton fala apenas em "ser uma grande, grande amiga" do pai dos seus filhos, enquanto que ambos têm outras relações.

Encaixa-se isto dentro do que se poderia chamar um modelo estritamente poliamoroso? Ou seja: um modelo verdadeiramente monógamo, ou de monogamia em série, iria precludir esta prática? De resto, estaria Swinton a ser eufemística ao falar com o jornal, de forma a não alimentar ainda mais boatos e rumores? Eu diria que estas perguntas, e as suas respostas, pouco interessam. Desde que é feito um determinado movimento de apropriação ("claiming"), está-se a impor uma grelha e lógica de leitura e análise que não sabemos se encontra ou alguma vez encontraria eco no alvo dessa apropriação. Não é isto suficiente para despertar o cepticismo de 'Tilda'?

Continua...

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Também de dor se faz o poliamor

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Lido na Time Out, na rubrica "Ouvido no Metro”:

"Uma pessoa chega ao fim da vida com o coração cheio de costuras."

Esta rubrica está normalmente cheia de palavras sábias, mas estas deixaram-me a pensar durante uns tempos. Nas costuras, no coração, e principalmente na vida. Pelos vistos, quem me ouve falar de poliamor, fica muitas vezes com a impressão de que isto é tudo um conto de fadas. Dizem-me (que eu não me vejo) que o sorriso e a segurança são indestrutíveis. Chegámos ao cúmulo de ver uma entrevista descartada como desinteressante, por ser tudo demasiado perfeito. Na opinião da jornalista, não havia falhas e isso fazia-a desconfiar.
O problema é que, quando respondo a entrevistas, as perguntas se centram essencialmente em mim e em um namorado, tratando os outros como satélites. Nessa relação, especificamente, e por razões que se prendem com a sorte de ter encontrado alguém (ele sim) perfeito para mim, não costuma haver drama. Mas se é sangue que querem, tenho uma vida cheia dele. As pessoas, e consequentemente as relações, não são perfeitas. São fonte de alegria e de dor, quase sempre em iguais proporções. Isso não é próprio do poliamor mas sim da condição humana. Até aqui nenhuma novidade.
É verdade que o poliamor elimina a maior parte dos problemas das relações monogâmicas. Mas arranja logo outros. Alguém dizia uma vez no nosso grupo esta frase brilhante: “é preciso cuidado para não se acabar politraumatizado”. O poliamor é um arriscado número de trapézio sem rede. É preciso coordenar uma série de coisas, timings, emoções e disponibilidades. É preciso aprendermos connosco e com os outros, porque não temos uma rede que nos segure, um sistema assumido e aceite por todos. E de vez em quando, falhamos.
Aconteceu-me várias vezes. Escorrega-me uma mão, arranco antes ou depois do tempo, e caio desamparada no chão. Parto o coração. E tal como as fracturas ósseas, as fracturas de coração tratam-se, mas nunca se curam por completo. Quando me falha a mão e deixo escapar uma pessoa, um amor, fica-me um vazio que nunca mais ninguém poderá ocupar.
Essa foi uma das coisas que aprendi. Ao contrário do que diz a crença comum, que um novo amor substitui o último (típico da chamada monogamia em série), cedo percebi que cada amor é único e irrepetível. Que o meu coração não é um balão que ora enche ora vaza. É um órgão vivo, uma “casa de mil quartos”. Perdi amores, amigos e amantes. Muitas vezes por causas alheias à nossa relação. Porque nisto do poliamor, passa-se de bestial a besta num instante. É só deixar que a sociedade opine.
Mas não é por todas as fracturas e costuras que arrasto, que vou deixar o trapézio e dedicar-me ao número da mulher barbuda. Volto uma e outra vez a subir a escada. Porque quero voar. Porque por essa sensação de estar suspensa no ar, de liberdade, de acreditar por instantes que tudo é possível, que haverá sempre alguém do outro lado para me segurar, por esses momentos de êxtase, tudo vale a pena. Daí o sorriso.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

how do YOU do it?

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how do you do it?
boa pergunta! como é que tu fazes? ou como é que eu faço?

é claro que cada um@ de nós terá a sua resposta a esta questão. no nosso grupo temos discutido várias vezes o tema e pelos vistos esta burning question vai muito além do nosso grupo. tão além que no próximo dia 26 de setembro vai realizar-se o 4º polyday de londres, onde se irá procurar respostas a precisamente esta questão.
como nos dizem os organizador@s do polyday, há tantas maneiras de participar em relacionamentos, que lhes parece redutor usar termos como relacionamento aberto, poliamoroso, swinger ou outro.








no polyday do ano passado participaram mais de 300 pessoas... sendo que @s organizador@s contam que esse número seja superior este ano.

durante um dia haverá muita discussão em workshops para todos os gostos e, à boa maneira inglesa, depois da discussão uma boa festa!



ah.. o preço da participação é de £10.00 ou £5.00 para desempregad@s e o sitio na net é http://www.polyday.org.uk

terça-feira, 28 de julho de 2009

Um gene da fidelidade?

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O gene da fildelidade
O penúltimo número da revista Sábado (nº 272 — 15 a 22 de Julho de 2009) trazia a seguinte frase solta de cabeça de página:
"Maridos e ratos fiéis partilham o mesmo gene, diz um estudo sueco" FOLHA ONLINE

Não encontrei na Folha Online nenhum artigo sobre o assunto mas de qualquer forma acabei por perceber que nem sequer é notícia recente. No Globo, por exemplo, a notícia saiu de facto apenas uma semana após a publicação do artigo original, e já lá vai quase um ano. Quem quiser pode ler o artigo original na revista científica americana PNAS.

Estive a ler sem estudar detalhadamente — até porque não tenho traquejo para isso — e o paper referido parece-me sério. O único problema está na interpretação que dele fez o Globo e depois quem veio atrás, incluindo a Sábado: é que isto não tem nada a ver com fidelidade mas sim com estabilidade.

Resumindo, o que lá se conclui é que, quando existe um determinado gene nos humanos (ou pelo menos nos suecos de classe média que têm um gémeo e estão casados ou em união de facto — ufff) aumenta a probabilidade de envolvimento numa relação com maior índice de pair-bonding, de acordo com uma escala. E o que é que mede essa escala, exactamente? A qualidade e estabilidade da relação, e o nível de envolvimento com o outro.

Nada, mas nada, se pode concluir quanto à fidelidade, no sentido tradicional do termo: exclusividade emocional e ou sexual. Nem no sentido etimológico: confiabilidade, honestidade. E nada se pode concluir quanto à monogamia. Ora vejam as perguntas que são feitas à população estudada e verão se não tenho razão.

Em conclusão:
Existe um gene que favorece as relações íntimas. Espero ter esse gene. Eu e todos os meus putativos parceiros.

Nota: desculpem mas não resisti; tinha o sonho antigo e infantil de escrever a palavra "putativo".

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Poly dentro dos movimentos LGBT: uma oportunidade?

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Em 2006 traduzi e adaptei um artigo de divulgação do poliamor (Escrito pela minha amiga e companheira de conspiração G. Altenhofer), que foi publicado na Zona Livre, publicação mensal do Clube Safo. Recebi algumas reacções, dos mais variados sabores, e senti-me na obrigação de escrever uma resposta. Hoje desenterrei este artigo, porque achei que pode ser lido como uma reflexão avant-garde do papel, oportunidade, ou não, que o poliamor pode ter nos movimentos LGBT portugueses, se estes querem seguir tudo o que é feito lá fora, incluindo repetições de erros (tácticos e de princípio) ou se querem ter a sua própria identidade e agenda. Usei alguns exemplos da Schlampagne, movimento quase desconhecido em Portugal, que vocalizaram criticas bastante veementes a tendências normatizantes dentro do próprio movimento LGBT. Este artigo pode ser interessante para activistas e/ou LGBTs, mas também para todos os que pensam sobre a transversalidades dos movimentos humanistas (feminismo, LGBT, anti-racismo, etc...).

"Atrás de cada rosto insuspeito uma vida única. E à sua frente, um futuro único"
Extracto modificado de artigo publicado na Zona Livre.

Entreguei no último número da Zona Livre a tradução de um artigo pessoal e descritivo (da minha amiga e cúmplice de conspiração G. Altenhoeffer sobre poliamor, esperando começar a discussão sobre o tema. Por algumas respostas que tive (obrigada!) senti-me na necessidade de explicar alguns pontos.
Não quis apresentar definições ou grandes dissertações sobre o poliamor, não-monogamia responsável, relações abertas, anéis, redes, triângulos, etc. etc. etc.. Basta apresentar o poliamor como qualquer relação que se afasta conscientemente do modelo monogâmico, e já temos material que baste. Não quis fazer uma apologia do poliamor como um modo de vida que todas devamos abraçar imediatamente e sem excepção. Cada uma sabe de si e o amor (em todas as suas formas) sabe de todas. Quis sim, como disse, em primeiro lugar, lançar a discussão.
Em segundo lugar, quis mostrar que há ainda mais diversidade do que se vê em primeira aproximação, mostrar que há outros modos de vida a acontecer mesmo ao nosso lado, e que pedem e merecem visibilidade e respeito. Por fim, quis mostrar às que, mergulhadas numa sociedade que força o paradigma monogâmico, e vivem ou contemplam viver em poliamor, que não estão tão isoladas como isso: "Nós andamos aí".
As reacções que tenho tido têm sido semelhantes em quantidade e qualidade a reacções ouvidas nos últimos anos noutros ambientes, noutros contextos. Vejo isto como animador, pois parece indicar que diferentes ambientes sociais não influenciam a predominância de um certo tipo de reacção. Estamos pois a falar de um tema que é essencialmente humano e pessoal e que não é influenciado por modas, idade, culturas ou educação.
Tive reacções de grande hostilidade (a raiar o insulto), outras de grande cepticismo ("esse modo de vida é sustentável?"). Tive outras de tolerância em que pessoas que não se imaginavam fora do modelo monogâmico aceitavam que isso pudesse ser válido e respeitável para outrem. Dentro deste grupo ouvi muitas referências a uma ou outra história poliamorosa de pessoas delas conhecidas. Finalmente conheci algumas pessoas que se identificavam (em teoria ou em prática) com alguma forma de poliamor.

(continua na próxima semana)

domingo, 26 de julho de 2009

O Mito da Monogamia

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Até agora, parece ser o único livro traduzido para português que se enquadra nas nossas temáticas. O Mito da Monogamia é uma reflexão sobre o comportamento animal e humano, partindo de vários estudos feitos ao longo de anos. Os mais recentes, baseados em testes de ADN, vieram revolucionar a ideia que se tinha em relação à monogamia, assente na mera observação.
Se é verdade que algumas espécies (principalmente aves) formam pares para toda a vida, colaborando no desenvolvimento da sua descendência, não se pode daí inferir que haja uma exclusividade sexual, nem de machos nem de fémeas. Num mesmo ninho descobriram-se filhos de vários pais, que enquanto mantêm o apoio a uma só fémea, vão espalhando o seu ADN por outras. Por sua vez, as fémeas procuram a diversidade genética, sem abdicar dos cuidados dedicados do mesmo macho.
Sem pretender fazer apologia de nada, nem sequer decalcar o comportamento animal no humano, os autores limitam-se a enunciar resultados de vários estudos, agrupando-os e lançando questões que conduzam a alguma lógica ou conclusão, que é deixada ao leitor. Não é por isso o livro ideal para quem procura respostas a inquietudes, já que o objectivo é o oposto.
A edição original é de 2001, e em Portugal foi editado pela Sinais de Fogo em 2002. Encontra-se na Bertrand ou na Wook.

sábado, 25 de julho de 2009

Espelho espelho meu, existe alguém mais apaixonado do que eu?

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Olho ao espelho e sei que sou muitas. Uma só pessoa com muitos papéis que contribuem para a unidade da minha condição humana, social e económica. Sou filha, tia, amiga, colega de trabalho, amante. Sou um número de contribuinte no sistema económico, um número de BI ou de cidadão que me identifica com a nacionalidade portuguesa, mas quem sou eu emocionalmente ninguém pensou à partida. O espólio emocional é coisa em que ninguém pensa e que um indivíduo tem de construir sozinho, mais ou menos baseado em referências familiares e colectivas, por onde se vai parametrizando.
Eu sou como aqueles eléctricos nos quais os construtores pensaram em tudo menos na usabilidade dos carris. Eu podia ter ido pelos caminhos esperados, mas não fui.
Se sou ou não poly não sei, nem tão pouco me preocupo com isso. Há quem diga que sim e eu sorrio.
Entendo o amor como uma partilha. Uma partilha comprometida emocionalmente, compartimentada, mas não limitada. Não acredito que se ame menos por amar mais, seria estranho. Um pai não ama menos cada filho à medida que vai tendo mais. É um amor diferente, único e especial.
Gosto de dizer que amo.
Claro que às vezes me sinto cansada e se torna complicado gerir todas as pessoas que amo e com quem tenho relacionamentos, gerir expectativas de presença sobretudo. Gostava de poder ser mais, para dar mais e estar mais presente ainda. Por vezes tenho receio de ter uma ou outra acção leviana e magoar sentimentos. Encaro isso com a naturalidade de quem está num processo de aprendizagem, não procuro a perfeição, apenas a felicidade.
Por vezes tenho receio de encontrar um colega de trabalho ou simplemente um conhecido e estar a dar um beijo ao João e depois o encontrar noutro dia dessa semana e estar em igual situação com a Ana ou com o Pedro. São receios que me atravessam o pensamento com raios, não que me preocupe muito com o que pensam os outros, mas... há sempre um mas por alguns instantes.
Não sei como foi que comecei a viver de forma poliamorosa, não foi nenhuma decisão racional, foi uma evolução natural da minha vida. Era swinger e o envolvimento físico não me parecia satisfatório, não procurava variedade sexual na verdade, mas sim o amor nas suas mais diversas expressões e cada amante na sua unicidade me revelava tanto de mim como da vida e como de uma nova e intensa relação. Esta é uma evolução que assusta um pouco a maioria dos swingers porque têm receio que o relacionamento do casal seja abalado e que um dos seus membros se apaixone pelo de outro casal e haja uma ruptura. Por isso, na maioria dos casos ,apesar de haver algum relacionamento de amizade-festa-camaradagem, evita-se o envolvimento amoroso com o outro. Estranho se pensarmos que são pessoas que fazem sexo umas com as outras, mas muito legítimo do ponto de vista da auto-preservação quer pela maturidade que existe, quer por todas as inseguranças escondidas que implica trazer ao de cima e ultrapassar.
Sou feliz hoje e sobretudo livre. É libertador viver de acordo com o que acreditamos, rodeados de quem nos ama e partilha dos mesmos valores.
Os problemas, quando os há, considero-os desafios e todos os casais os têm, seja qual o modelo que tenham escolhido viver. Poucos há que falam tanto dos seus desejos, sexualidade e individualidade como nós, não que sejamos melhores, simplesmente porque nos preocupamos em incorporar no nosso ser as aprendizagens que vamos tento e em nos tornarmos pessoas livres, abertas e apaixonadas.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A pura relação e o poliamor - II

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Falei no post anterior sobre a possível incompatibilidade entre os valores (ainda) humanistas e (ainda) modernos e o oposto da pura relação. Porém, seria errado pensar que, por haver algo de poliamoroso na ideia da pura relação, as duas coisas se pudessem confundir.

De facto, Giddens fala durante a maior parte do seu livro em relações heterossexuais monógamas, embora também faça algumas incursões pelo lesbianismo. Ou talvez até fosse mais adequado dizer que Giddens fala essencialmente das relações heterossexuais. Não necessariamente eroticizadas, não necessariamente românticas.

Essa possibilidade - a de pensar a pura relação fora de um conjunto restrito de relações-tipo - é, por um lado, relevante para o poliamor e, por outro, permite desarmar possíveis leituras tendenciosas (pró-poliamor, ou anti-monogamia). Esta mais não seria do que um mero reenquadramento dos movimentos de discriminação contra os quais nos queremos precaver e, por conseguinte, não tem aqui qualquer lugar.

A pura relação pode encontrar-se em qualquer momento em que um Eu e um Outro se encontram. Amizade, amor, etc... Interessa pouco - porque é a modalidade da relação que está em causa, e essa pode depois revestir-se de qualquer grau que se deseje ou de quaisquer detalhes específicos que se queira. Isto leva, obrigatoriamente, a que a pura relação seja perfeitamente possível dentro de uma relação monógama. Leva também a que se pense na infinidade de possibilidades em que a pura relação se pode aplicar - e o poliamor é indubitavelmente uma delas.

De resto, este é um aviso que não pode deixar de ser feito: a apologia do poliamor não é o combate à monogamia. Não é possível defender a pluralidade dos sistemas relacionais e, no mesmo passo, tentar negar um deles. O que, obviamente, não quer dizer que qualquer modelo de relação não possa ser passível de ser criticado e analisado - e isto vale também para o poliamor.

Precisamos então de olhar melhor para o que poderá ser considerada a antítese da pura relação.

Continua...

Índice
A pura relação e o poliamor - I

quinta-feira, 23 de julho de 2009

"O que me importava era que ele me amava"

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Estas coisas às vezes vêm parar-me às mãos. Peguei no El País e, como é meu hábito, comecei a ler pela última página, na qual havia uma entrevista à viúva de Juan Carlos Onetti que é, como Mario Benedetti, um conhecido escritor uruguaio. Dou-me aqui à liberdade de traduzir estas passagens:

(…) a 28 de Abril, quando faleceu Idea
e circulou a notícia do agravamento de Benedetti,(…) a melancolia habitual de Montevideu concentrou-se ainda mais nos cafés e livrarias.
Dessas coincidências falámos com Dolly Onetti, ou Dorotea Muhr, a viúva do autor de A Vida Breve. Foi sua companheira durante mais de quarenta anos e aqui nesta casa onde falamos viveram a última década de existência de Onetti. Aqui vinha Benedetti visitá-lo, (…) e Idea Vilariño veio em 1989.
Ao Juan fez-lhe muito bem essa visita.” (…) “E foi importante para ele. (…) Uma grande poetisa, maravilhosa… Ela era mais intelectual, estava à altura do Juan na literatura, eu estava noutras coisas.”. E como foi o reencontro? “Não sei; eu sabia que era uma relação entre eles, tinha sido uma relação apaixonada, talvez a mais apaixonada do Juan. E quando ela chegou, eu fui embora. Estiveram juntos, sozinhos.”
Dolly e Onetti juntaram-se em 1955 “e o Juan disse que era para sempre. E era verdade, eu sabia. E sabia também que não ia ser a sua única mulher a partir de então, isso era absolutamente absurdo. Ele contava-me, não havia segredos. Havia algo assim como de conspiração. Esta é a tua vida, eu partilho-a de fora. E, por sorte, não sou ciumenta. Nunca fui. Se não, não teria funcionado.” Era generosidade. “Não, não, o que me importava era que ele me amava a mim. Éramos quase como um. Muitas vezes dizia: «Tu és um braço meu». E fui.(Artigo original aqui)

Dolly não fala aqui das suas próprias relações, talvez porque a entrevista não é centrada nela mas sim no marido. Talvez porque não veja necessidade de revelar essa parte da sua intimidade. Ou talvez porque não as tenha tido. À parte disso, do que Dolly nos fala é de poliamor.
Foca a sua relação no amor nela contido, e percebe que isso é que é determinante. Reconhece que se une com uma pessoa com um passado e valoriza-o, valorizando as pessoas com quem se relacionou. Percebe que cada pessoa tem valor por si mesma, umas porque se identificam connosco em termos literários, outras porque gostamos de viajar com elas, ou porque nos rimos das mesmas coisas. Cada uma ocupa um espaço no nosso coração, que não é substituível por outra e no entanto, todas juntas, enchem-no de alegria.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

bónito, bónito...

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cameron & jude... ........................ou cameron & leo...













ou jude & cameron & leo...










ou leo & jude & cameron, ou leo & jude... & cameron...

no jornal metro de hoje vem uma notícia dos lados de hollywood, onde se especula sobre a hipótese de haver um "bizarro" triângulo amoroso entre a cameron diaz, jude law e leo di caprio. aparentemente foram "apanhados" em londres, onde estão os três e a boa da cameron foi vista a entrar para a casa de um e a andar na rua com o outro!

ficamos sem saber se neste "bizarro" triângulo namoram os três, se se relacionam num v, ou outra qualquer combinação.

mas em boa verdade, para nós pouco interessa o formato. para nós é importante que estejam felizes.

como dizem no norte... bónito, bónito...

seria se se declarassem poliamorosos!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Markl, eu também nunca vi os teus seios

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Diz o IMDB que o guionista, humorista, bloguista e radialista Nuno Markl faz anos hoje. Bom pretexto para mencionar um webisódio dele que eu só conheci a semana passada, apesar de já ter mais de um ano. Na minha opinião, vale a pena ver os 13 minutos inteirinhos (só termina depois da ficha técnica), apesar de só ser relevante para o que agora escrevo uma pequeníssima parte.


A propósito do pequeno pedaço que interessa para o Poly Portugal, o próprio Markl escreve:
"Os amantes de ironia cor-de-rosa apreciarão saber que este webisódio foi filmado pouco tempo antes do começo de um certo namoro, assaz badalado por alguma imprensa. E que, por isso, há uma cena que ganha toda uma nova mística, olhada agora à distância."
Para quem não siga essa imprensa, o Markl estava à data deste webisódio no decurso de um divórcio e o namoro que ele refere é com a colega da rádio Ana Galvão, com quem viria a viver (e foram pais há mês e meio). No vídeo, a tal cena com ela está aos 3'00".

Não faço a mais pequena ideia se o Markl continua a dar-se bem com a ex-mulher nem por que razão se divorciaram. Num mundo de monogamia, é lícito pensar que a nova mulher poderá ter sido a causa do divórcio (não faço mesmo ideia no caso do Markl, OK?). Num universo poli, as relações também podem falhar, evidentemente. Mas nunca será porque surgiu um outro enamoramento.

Pelo que se percebe do blog Há vida em Markl, ele anda felicíssimo, e eu ficaria muito contente, porque gosto do rapaz, se soubesse que não esteve mal. Desejo-lhe naturalmente «muita saudinha», que é o melhor que um português consegue desejar a alguém. Hoje, pelos vistos, não só faz anos como é o último dia de rodagem do filme onde ele faz de Markl versão desembestada (nem quero imaginar).

Apeteceu-me fazer esta pequena homenagem a um amigo e colega que admiro. Na próxima crónica, voltarei a um tema mais claramente poli.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

O porquê dos encontros poly (mais detalhado)

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A propósito da divulgação que fiz dos summercamps poly (ultimo post) e de alguns terem visto na minha apresentação worshops e apresentações que tenho feito, tem surgido muito a pergunta "para que servem estes encontros poly?".

(Por vezes aparece também a pergunta, acompanhada de uma careta canalha: "é para andar na galderice descarada uns com os outros, não, é? com o respectivo riso alarve, q.b."). Hoje vou responder com mais cuidado a esta pergunta.

Estes encontros têem várias vertentes:
* Auto-ajuda (self-support)
* discussão, aprendizagem
* empowerment
* visibilidade, intervenção politica, interior
* visibilidade, intervenção politica, exterior

* O self support (Auto ajuda) tem a ver com algo que a Lara já comentou. Quem vive ou quer viver poly, não quer passar 3 horas a explicar às pessoas que acabou de conhecer como vive, muitas vezes numa tentativa de não ser insultada ou mal interpretada. Se calhar quer até simplesmente ser levada a sério. Por outro lado, tal como já foi dito, não há uma maneira única de viver poly, e mesmo falar de "tipos" ou "arquétipos" pode ser perigoso e reducionista. Uns vivem em relações em triângulo, outros têem uma rede de amigos-mais-que-amigos, outros tem estruturas mais rígidas com primários secundários etc. outros vivem isto tudo ao mesmo tempo ou em série. Mas como denominador comum, as pessoas que vivem ou querem viver poly enfrentam o mesmo tipo de problemas: por um lado, problemas em viver, com mais ou menos confronto, dentro da sociedade mononormativa, e problemas em se legitimarem dentro dela. Por outro lado, gerir relações não monogamicas nem sempre é simples, tem a dificuldade adicional de não haver scripts pré definidos (Ao contrário das relações tradicionais, com papeis e reacções-tipo atribuídos há milénios). Para mim, em particular, já é uma grande ajuda estar no meio de pessoas que estão no mesmo barco que eu, mesmo que não fale com elas da minha vida.

* discussão, aprendizagem
é uma consequência directa do anterior. Nestes encontros aprendem-se receitas ou truques, culinários ou não, para resolver problemas da vida poly mais ou menos galdéria. Alguns encontros regulares, e definitivamente os summercamps, contam na sua agenda com workshops sobre temas explicitamente poly, ou que não são poly mas abordados duma perspectiva poly. Exemplos são gestão de conflitos, gestão de ciumes, gestão de tempo, gestão de higiene sexual, como escrever uma procuração ou um testamento enquadrando vários "conjuges", etc. Outras vezes pode-se encontrar sessões de perguntas e respostas (ou simples divulgação) de tantra, bdsm, temas sex positive em geral (incluindo grupos de suporte para assexualidade, que como veremos um dia destes, é um tema que cai muito no scope poly. Há uma grande assiduidade de assexuais em grupos poly).

* Empowerment é o passar férias (summercamp) ou umas horas (Encontros) a bebericar cerveja com pessoas que partilham comigo (e eu com eles) as alegrias, conquistas, descobertas, tropeções e decepções na vivência poly. Ou seja, saio de la com mais coragem e mais confiança do que entrei, e ao contrário de muitos convivios com nao-poly, continuo com vontade de viver poly.

* Intervenção politica, interior: muitas pessoas estão curiosas, provavelmente só lhes falta um pequeno impulso para começar, e vão a estes eventos para saber mais. Se os eventos forem de algum modo visíveis, ajuda-se potenciais indecisos ou tímidos a procurar um primeiro contacto e até a fazerem as primeiras experiências de felicidade com a sua vida.

* Intervenção politica, exterior: Eu acredito que a sociedade pode ser mudada. Se gadjets técnicos podem mudar a maneira de pensar da sociedade com a sua influencia no habitus, então ideias, exemplos, ou o simples testemunhar de amores válidos podem-no ainda mais. E mais uma vez, uma parte da minha felicidade como poly passa por não ter de me explicar constantemente, de não me sentir julgada constantemente. Não posso ser feliz com os meus namorad@s se estiver isolada e alienada do resto do meu círculo. Acredito que eventos destes, visíveis, geram discussão pública. Mais e mais pessoas saberão o que é poly. Muitas serão contra, mas a discussão em movimento pode convencê-las. Nao tenciono convencer toda a gente a ser poly, mas tenciono convencer que ninguém tem nada a ver com o que outros adultos consentâneos fazem entre si, e que o poly é um modo de vida válido como outro qualquer.

Há mais aspectos destes encontros... outro óbvio é a possibilidade de encontrar amigos, maninhos, namorados e amantes. Coisa humana e que não tem que vir associada a risos malandros e alarves, uma vez que é importante para toda a gente, monogâmicos ou não. Hã vertentes de intervenção politica mais activa, há uma serie de coisas. Mas hoje ficamos por aqui.


Obrigada por lerem, agradeço os vossos comentários e perguntas.

domingo, 19 de julho de 2009

Poly-cidadania

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Para Charles Fourier (1772-1837), tal como posteriormente para Wilhelm Reich, as necessidades individuais mais privadas de cada ser humano são parte do respectivo “eu” social. Devem, portanto, ter uma resposta também social, vinda dos representantes da colectividade. Fourier propõe a difusão do poliamorismo ao serviço do aumento da felicidade colectiva, aumento que por sua vez resulta da máxima atenção à satisfação dessas necessidades.
Na ordem social imaginada por Fourier a erradicação do ciúme, por exemplo, aconteceria naturalmente porque toda a gente saberia assegurada por lei a sua felicidade privada - consistisse essa felicidade em relações exclusivamente sexuais, exclusivamente afectivas ou um misto das duas. O individualismo combater-se-ia exercendo a cidadania… mas este exercício incluiria prestar favores afectivos e sexuais a outrem sob a forma de impostos.
Fourier concebe um “eu” em que os impulsos privados se colocam ao serviço do colectivo; em contrapartida, o “eu” tem a garantia de que o colectivo lhos satisfará. Postulando por assim dizer que a administração pública assegure “quotas mínimas individuais de felicidade sexual e/ou afectiva” , Fourier antecipa e inspira uma visão mais complexa dos direitos fundamentais .
Para Fourier uma vida social de qualidade pressupõe - para além do usufruto dos direitos de expressão e associação, de uma quota mínima de subsistência material, etc - a satisfação de necessidades quer afectivas quer sexuais. E, assim como cada indivíduo tem o direito a que a sociedade lhe satisfaça essas necessidades, tem obrigação de contribuir para que a sociedade por seu intermédio as satisfaça a outrem.
O complexo sistema social que Fourier inventa para assegurar o equilíbrio dessa troca de serviços usa o poliamorismo como o instrumento mais adequado de “engenharia social” - e compreende-se porquê. Os serviços sexuais e afectivos são um “capital”, uma “riqueza”. Para além das relações sexuais e afectivas gratuitas (sobretudo, as inseridas no vínculo monogâmico em que dois seres se “possuem” mutuamente de forma exclusiva), as relações transaccionam-se: há tabelas de preços para trabalhadores/as do sexo, assim como para profissionais de acompanhamento da saúde mental ou personal trainers no domínio da auto-confiança ou de qualquer fragilidade do eu....
O poliamorismo é um tipo de vínculo tendencialmente não-comercial, inclusivo e mais alargado do que a monogamia. Aparece coerentemente em Fourier como a forma mais “justa” e “generosa” de distribuição da riqueza sexo-afectiva numa sociedade, ontem como hoje, carente.

sábado, 18 de julho de 2009

Somos assim tão diferentes?

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Uma noite dessas perguntaram-me:

Alex, achas que isso de poliamor é realmente possivel? Viver dessa forma no meio da sociedade onde estamos e que quem procura isso terá sucesso ?

Eu, já no segundo gin tónica, soltei a língua mais ou menos assim:

Sim é possivel, conheço pessoalmente alguns casos de sucesso, cada um com seu formato. Por exemplo, uma familia com dois pais e uma mãe, um casal que tem uma relação de muitos anos em que de tempos em tempos vivem juntos ou individualmente suas novas paixões, um triângulo, swingers que vão além do sexo mas sempre em numeros pares, estrelas e vês em que todos sabem da não exclusividade e alguns são bons amigos até... e por aí vai. E mais, tu já conheces todos eles, podes não associar os casos às caras, o que ratifica que são pessoas integradas e na mesma sociedade em que tu vives! Se acertaram à primeira? Alguns com muita sorte sim, descobriram essa forma de estar juntos e isso tornou-os ainda mais unidos. Outros, como eu, passam de relação em relação, cada uma com seu tempo e valor, mas não é assim também com os hetero monos? Tu mesmo? Quantas namoradas já tiveste? Quantos erros cometeste? Quantas relações começaste sem ter encerrado a anterior?

Por isso mesmo pergunto, parece-me fazer todo o sentido, mas não saberia como conduzir isso, uma namorada minha nunca aceitaria. Já aconteceu de eu gostar de mais de uma mulher ao mesmo tempo, cada uma a sua forma sem isso interferir no que eu sentia pela outra...

E já perguntaste a alguma delas? Acredita que há muita gente que pensa nisso mas acha que é um devaneio seu, uma coisa sem fundamento. Se é possivel optar entre tantas coisas nessa vida, estilo de vida, religião, orientação sexual, por que não optar sobre a forma como se quer viver as relações? Para tudo existe opções, menos para isso? Estranho não achas? Traz o assunto à mesa! Como? Quando vires uma refência gay pergunta "até que ponto tu gostas de pessoas do teu sexo?" Quando vires algo a três "não achas curioso que é quase sempre duas mulheres com um homem? Um bocado machista não?" aluga um dvd do genero Vicky Cristina Barcelona ou Closer, que são mainstream e dão espaço para uns comentários sobre o tema.

Resumindo, faz pela vida! Vais errar como todo mundo erra em qualquer coisa que se propõe a descobrir, mas tenta! Não fiques a imaginar que és o único, que é coisa da tua cabeça e que ninguem mais pensa assim.

Nem todos são carneiros como tu presumes.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A pura relação e o poliamor - I

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"Pura relação [...] [é] uma situação onde uma relação social se inicia apenas em função de si mesma, tendo em vista o que pode ser retirado por cada pessoa de uma associação sustentada com outra". - Anthony Giddens, 1993
Desde a primeira vez que li esta frase, no seu contexto, que me pareceu ouvir nela algo de poliamor(oso). A figura clássica, tradicional, arquetípica do casamento católico é a da célebre frase "até que a morte nos separe". Mas parece-me a mim que...

... o pessoal já não vai muito nessa cantiga (os dados acima correspondem a Portugal). (Se é que alguma vez foi realmente, especialmente a faixa masculina.) Mas mesmo que já antes não fossem, verdade é que a coisa ainda se disfarçava (entram aqui muitas histórias infelizes de casamentos que levavam as pessoas à beira da loucura, ou para lá dela); agora o disfarce também parece estar a ir dar uma volta.

Então as coisas "estão a mudar". Um bocado óbvio, não é? Talvez. Talvez não. Porque a pergunta ainda é a mesma: como é que estão a mudar? Em que sentido? Se ouvirmos um lado da questão, teremos a anomia social, ou coisa que o valha - há exagerados para tudo nesta vida. Mas, passemos agora para o outro lado. Questionemos a falta de identidade que acaba por estar na base da ideia da anomia social e se esta se pode livremente permutar com a ideia de perda de identidade social.

Quando olhamos o mundo a partir de uma certa perspectiva - e é inevitável que o façamos - podemos por vezes perder de vista a existência de outras perspectivas. É isso que me pergunto se não acontece a quem vê o desmoronar dos valores sociais. E quem está ali ao lado, a ver a coisa pelo seu ângulo, vê um conjunto de valores sociais que, para si, são claros como água. Porque, convenhamos - os valores sociais vêm de um conjunto de valores pessoais. Uma anomia quase requer uma amoralidade, uma ausência de valores pessoais. E quando se houve falar da falta de valores, o que se quer dizer é, habitualmente, falta de valores "como os meus".

E agora vem a pergunta: mas o que é que isso tem que ver com o princípio do post, e o pobrezinho do Giddens? Tudo. Os divórcios, os recasamentos, as alergias ao casamento, as "curtes", one-night stands, etc, etc, etc... - são falta de valores? Ou valores diferentes? A pura relação é uma relação constantemente em risco, constantemente ameaçada pela possibilidade que uma das partes já não esteja a retirar dela nada (de útil) para si mesma. Mas será que os valores em prol da pessoa, do indivíduo, do respeito pela auto-afirmação, do respeito pela independência são compatíveis com a alternativa - com a antítese! - desta pura relação?

Continua...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Autênticos

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"Uma pessoa é tanto mais autêntica quanto mais se parece com o que sonhou para si própria" - Agrado, em Todo Sobre Mi Madre*

Alguém dizia uma vez, acerca da semana Pride de Madrid: "Nem me vais reconhecer. Nessa semana saem-me as plumas completamente." Depois constatei que é uma altura em que sai tudo a toda a gente, incluindo supostos hetero. Uma espécie de festa do Avante onde se vê gente de todas as cores políticas e são todos camaradas.
Por cá a escala é em tudo mais pequena, mas também se consegue sentir este ambiente de festa, de abertura e de empowerment. O fim-de-semana passado estive na Marcha do Orgulho do Porto e vim de lá com a alma revigorada.
É como fazer uma viagem no espaço e no tempo, do Portugal salazarento para o Woodstock da paz e amor. Há um clima de entreajuda, de solidariedade espontânea, e de grande abertura de espírito. Onde quer que nos sentemos ouvem-se debates sobre os mais variados assuntos, desde o autofellatio à aprovação da lei do casamento.
O regresso a casa fez-se num carro com todo o espectro de escolhas representado: um completamente homossexual, uma mais virada para homens que para mulheres, outro mais para mulheres que para homens, e outra com os pés bem assentes no limbo. Uns poli, outros não. Tudo isto "até ver", porque, já se sabe, uma pessoa um dia gosta de sorvete de limão e no outro de brownie de chocolate.
As horas passaram a voar, por entre descrições graficamente explícitas, histórias de infância e da noite anterior, música, literatura, bdsm e baunilha. Histórias verdadeiras de gente autêntica.

*Nota: O texto integral deste monólogo encontra-se transcrito aqui

quarta-feira, 15 de julho de 2009

preconceito

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ao longo dos anos tenho vindo a conhecer um grande número de casais e alguns singles, que se consideram liberais ou mesmo swingers.
este é um dos grupos mais heterogéneos que conheço... muitos dos casais são casados (um com o outro), mas há também namorad@s e alguns "arranjinhos". têm profissões tão diferentes como as de juiz@s, professor@s, empresári@s ou taxistas. fisicamente são orgulhosamente divers@s. conhecem-se na net ou em clubes e quando partilham sexo normalmente vale tudo menos tirar olhos.
é the lifestyle.
recentemente conversava com un@s amig@s swingers sobre a forma de se relacionarem entre si e fora do âmbito do sexo, quando lancei a hipótese das trocas se fazerem em outra dimensão. como seria, perguntei, se a maria convidasse o joão para ir ao teatro sem a lina e o antónio?
o quê?!? mas isso é uma traição, foi a resposta imediata!
mas, dizia eu, vocês acabaram de estar tod@s envolvidos a fazer coisas que, por modéstia, não posso aqui referir e agora dizem-me que uma ida ao cinema, seguida de um jantarinho com o marido da outra é traição!
falei-lhes de poliamor... perguntei se era mesmo só sexo, ou se entre el@s não havia uma espécie de namoro. na conversa sentia-se uma grande cumplicidade entre tod@s. afinal havia ou não sentimentos envolvidos?
o consenso foi que sim, havia e muitos e talvez, pasme-se, até amor..
estes meus amig@s ficaram a digerir a conversa sobre (poli)amor e (poli)sentimentos... são tod@s pessoas inteligentes e interessantes... e quem sabe se no nosso próximo encontro não haja novidades sobre o teatro ou cinema...

terça-feira, 14 de julho de 2009

Conta-me como foi

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Aos 10 anos, N. passou quinze dias de umas férias de verão em casa de uns primos. Por qualquer razão, os pais deles nunca estavam em casa. N. viu-se assim sozinho com um primo e duas primas, tudo miudagem com 9 a 12 anos.

A., o rapaz, perguntou-lhe logo na primeira ou segunda noite se já tinha feito sexo alguma vez, para grande espanto de N.. Que não, claro. Mas gostaria de experimentar? É que ele e as irmãs faziam.

Todo um mundo novo se abriu a N. naquelas duas semanas: o sexo, a estranheza de ver duas raparigas em GG rubbing sem perceber que prazer podia aquilo dar, a descoberta do penis fencing e de outras práticas que ia inventando ou aprendendo, e ainda os water sports involuntários, convencido de que estaria a experimentar o primeiro orgasmo (uma prática a que talvez pudesse chamar-se cave diving).

Tudo foi feito sem noção precisa de quanto daquilo seria invulgar ou mesmo condenado pela sociedade: incesto, homossexualidade, kinky, "poli"…

Hoje em dia, N. identifica-se como poliamorista. Poderá haver alguma relação entre a primeira experiência sexual ser poligâmica e uma identidade poliamorista? Parece-me, sinceramente, um total absurdo que se possa fazer essa ligação. Mas essa questão já foi efectivamente colocada a N..

Nem vale a pena argumentar que a primeira experiência sexual de N. foi certamente muito anterior, e terá sido provavelmente masturbatória. As pessoas esquecem-se da infância mas a verdade é que geralmente quando eram crianças, antes de perceberem que a masturbação faz parte daquelas práticas secretas e supostamente apenas adultas a que os crescidos chamam "sexo", sabiam obter prazer sexual sozinhas.

Mas, mesmo que tivesse sido esta a primeira experiência percebida como "sexual", o salto lógico parece-me gigantesco. Poucos homens haverá na nossa sociedade que não tenham já fantasiado uma ménage à trois. Não é seguramente por isso que têm qualquer tipo de propensão para o poliamor.

Não consegui descobrir na Web nenhum estudo sério que estabeleça correlação entre o género do primeiro parceiro sexual e a orientação sexual, ou entre as práticas sexuais do primeiro encontro e as fantasias ou práticas seguintes. Talvez um estudo desse tipo pudesse acrescentar aqui um ponto de vista, por analogia. Fico à espera que os activistas, psis e curiosos que lêem o Poly Portugal comentem, com links. :)

Nota 1: GG rubbing e penis fencing são os termos usados pelo primatólogo Frans de Waal, num artigo publicado em 1995 na Scientific American, para designar actos de esfrega vulvar ou peniana entre os bonobos (primatas fascinantes que, juntamente com os chimpanzés, são os animais mais próximos do Homo sapiens).
Nota 2 (em jeito de disclaimer): Este artigo não tem obviamente nenhuma relação com a série da RTP Conta-me como foi nem com o original Cuéntame cómo pasó. O título e a foto foram retiradas à má-fila do site da RTP (clicar na foto para ir lá parar).

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Mononormatividade

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Assumo que, apresentações feitas e meia dúzia de artigos saídos, os leitores e/ou seguidores do blogue tenham já uma ideia formada do que se passa aqui. Assumo que, se muita gente vai aterrar aqui por acaso, e terá de navegar nos links ali ao lado para perceber em que utopia é que veio parar (processo que esperemos não dure muito tempo), outros saberão bem ao que vieram.

Dito tudo isto, esta posta hoje é sobre uma das minhas palavras favoritas: mononormatividade. (a palavra foi inventada primeiro como slang, e pegou como "exagero" ou superlativo de "normativo") Ou seja, todos os mecanismos que fazem com que nos comportemos de maneira pré-formatada... é a pressão social que nos diz que ser gay ou não monogâmico é errado, é a pressão que faz com que não vamos trabalhar de calções, mesmo que isso não afecte a nossa competência, ou não dizer ao chefe que não somos do Benfica, é tudo o que nos impele para um sentimento de minoria que se livraria de sarilhos se passasse a ser maioria, ou que, no caso de não impelir, nos tornam eventualmente alvos de discriminação (não se pode mudar a raça, a nacionalidade, a idade, por exemplo..).

Reparem que, atabalhoada como poderá ser a minha explicação, mononormatividade não é a mesma coisa que discriminação, embora mononormatividade quase sempre seja discriminatória..

Mononormatividade é algo muito intrinsecamente poly (vou a partir de agora chamar poly a tudo que seja Nao Monogamia Responsável, ok?). Nao só poly é contra as convenções sociais (e muitas vezes contra leis), como não há uma maneira única de ser ou pensar poly. Há talvez alguns arquétipos, algumas configurações mais frequentes, mas precisamente o assumir de um modo de vida em que a sinceridade (consigo próprio e outros) está acima da monogamia torna as coisas menos binárias, menos estanques e mais fluidas.

Mononormatividade é um tema muito vasto e hoje quero deixar-vos apenas os acepipes como entrada, e mais para a frente e conforme o vosso interesse podemos pegar ou aprofundar outros aspectos..

Um dado interessante e que é um bom ponto de partida, é que mesmo pessoas que não vivem poly, mas que não encaixam no modelo do casal monogâmico, são encaradas com desconfiança. As constituições dos países ocidentais, têm, desde há relativamente pouco tempo (80 anos), explicitamente passado a mensagem que a base da sociedade é a família e não mais o individuo (Comparem as primeiras constituições europeias de há +180 anos com as de agora).

Pessoas que vivem sozinhas, e felizes (Quirky Alone), são vistas como doentes ou uma excepção à ordem universal, ou mesmo um perigo para a sociedade. Mecanismos como o swing ou a neo-monogamia, com tudo o que têm de libertário, começam a ser bem vistos apenas desde que não haja envolvimento emocional e o casalinho original se mantenha intacto.

Criticas, construtivas ou não, feitas ao casamento tal como ele é, são anátema para muitos políticos (ex: Deputada critica casamento) que preferem nem se meter nisso. Evidência histórica que o casamento já foi uma instituição diferente, ou que houve outros contractos sociais paralelos (ver Affrérements ou casamentos entre homens na Península Ibérica até ao séc. XI) com diferentes papeis, e expectativas, é sistematicamente "esquecido"... Algo que cheire a "promiscuidade" é sempre o culpado dos tremores de terra, epidemias, e um par de botas, em vez de se procurar as verdadeiras causas e actuar sobre elas... Mas pular a cerca nunca será uma causa de tremores de terra, porque não conta como promiscuidade, não ameaça o par original..

Prometo então continuar a falar não só de Nao Monogamia responsável, mas de tudo o que seja sex positive, mesmo que não seja do meu agrado, simplesmente por ser sex-positive ou simplesmente libertário. Entendo que ninguém, nem Estado nem vizinhança, tem o direito ou sequer o capricho de interferir no que dois (ou três, ou vinte) adultos consentâneo fazem uns com os outros, por uma noite ou por uma vida inteira. Por outro lado, é contra os pilares de uma sociedade que se diz livre, inclusiva e diversa, que tal interferência, por Estado ou vizinhança ou empregador aconteça. Ficou claro?


Obrigada por lerem, e agradeço os vossos comentários e perguntas.

domingo, 12 de julho de 2009

4ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto: entre a Família-Fortaleza e Charles Fourier

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O manifesto da ontem realizada 4ª Marcha do Orgulho LGBT do Porto apela ao casamento civil para tod@s, ou seja, ao direito dos indivíduos do mesmo sexo a adoptarem valores familistas, mas articula isso com o apelo ao reconhecimento de modelos familiares alternativos. Equilibra o desejo de adesão a um universo binário de 'respeitabilidade burguesa' com a dessacralização desse universo, salvaguardando a crítica ao familismo.
O familismo assenta numa representação do casamento (em Portugal, monogâmico e maximamente 'proprietário') como o vínculo social básico, a par com a parentalidade. Propõe o modelo da ‘família-fortaleza’- uma estrutura poligâmica ou monogâmica, 'alargada' ou 'nuclear'. Caracteriza-se pela hierarquia e promoção da ajuda inter-membros à custa da redução da autonomia individual. No interior da 'fortaleza' o poder distribui-se de acordo com o sexo e a idade: o homem, marido, é cabeça-de-casal e ganha-pão; a(s) mulher(es), esposa(s), cuida(m) de tod@s e coloca(m) as necessidades próprias em último lugar; filhos e filhas são obedientes e dependentes de pai e mãe(s). Os adultos activos dominam os restantes membros e responsabilizam-se pela sua educação e/ou apoio.
A família-fortaleza cria um espaço claustrofóbico que propicia o abuso de poder e a violação de direitos. No seu interior acontece a violência doméstica, tipicamente exercida pelo marido contra a(s) esposa(s); acontece o abuso de menores por familiares adultos, que constituem a categoria mais comum de abusadores sexuais de menores. Desde o ‘home-schooling’ ao ‘cárcere privado’, os membros, sujeitos a pressões, perdem, mais ou menos gravemente, a privacidade e autonomia.
Mas o sentimento de responsabilização de tod@s por tod@s (‘um por todos, todos por um’) também pode ser visto como aconchegante e até como cada vez mais necessário face a um exterior crescentemente hostil, onde grassa o desemprego, pobreza e desinformação. E a família-fortaleza é, nalgumas sociedades, o apoio mais importante, se não único, de crianças e seniores.
A população LGBT portuguesa vive numa sociedade duplamente agressiva. Além dos problemas da imensa maioria da população hetero, os LGBT jovens ou seniores, em especial, correm risco de suicídio aumentado pela solidão e/ou falta de apoio; a esse risco acresce, em todas as idades, o de doenças mentais socialmente induzidas - sobretudo sobre aquel@s LGBT que contrariam os códigos de aparência. Em suma, os LGBT precisam, ainda mais que os hetero, do suporte emocional e pragmático que ainda hoje a estrutura familiar dá. E isso implica um regresso à família-fortaleza? Talvez não.
As ideias de Charles Fourier (1772-1837) eram o tema original deste post. Fourier imaginou um modelo de família centrado no poliamor (hetero e homo), na livre escolha, na partilha de objectivos e interesses e, sobretudo, na criação de estruturas de apoio (inclusive sexual) aos membros desfavorecidos. O Manifesto da Marcha de ontem termina com: ‘Na felicidade e na dor, o que faz a família é o amor’. Ele subscreveria essa frase.
No próximo Domingo veremos se as ideias de Fourier podem ou não inspirar o manifesto da Marcha de 2010.

sábado, 11 de julho de 2009

Um conto

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Vou contar um conto de descoberta da palavra “polyamory”.

Era uma vez um casalinho muito apaixonado. Esse casalinho, na altura ainda à moda antiga com menino e menina, havia já uns anitos antes decidido que essa coisa de exclusividade não era para ele. Tudo bem. Acontece ainda que a menina do casal começou a sentir que afinal gostava era de meninas, ainda que continuasse a gostar da outra metade do casal. Ora, o menino sempre foi muito curioso e pensou, “Pá, eu gostaria de aprender mais sobre isso de meninas que gostam de meninas e de meninos ao mesmo tempo.”
Infelizmente, 0s nossos heróis não conheciam ninguém que falasse dessas coisas. Os amigos e colegas ou só gostavam do sexo oposto, ou então estavam bem no fundo do armário. Havia até uma certa hostilidade de fundo acerca de 'fufas', 'paneleiros' e 'gilettes' por entre a malta conhecida. “Hum”, pensou o menino, “o melhor é ir à net e ver o que há para aí, afinal os newsgroups já me ensinaram muita coisa.”
Isto foi em meados dos noventa, altura em que a net explodia em Portugal.
O menino depressa aterrou no soc.bi, grupo muito fofinho e cheio de informação não só útil, como divertida acerca de bissexualidade. Aí o menino viu como havia gente que era bissexual e orgulhosa disso, gente muito positiva que apoiava quem vinha com dúvidas e gente que se organizava em grupos de apoio e reivindicação. O menino também ouviu muitas histórias de discriminação não só da sociedade em geral, mas da própria comunidade homossexual, mas isso é um outro conto. E vejam lá, um dia o menino discerniu um grupinho de gente no soc.bi que também estava noutro grupo, o alt.polyamory.
Esse grupinho, com múltiplas orientações sexuais, falava de relações amorosas com mais do que dois, vividas responsavelmente. O menino resolveu visitar esse tal de alt.polyamory, porque lhe pareceu cortado à sua medida. E foi aí que viu, gravada a ouro na parede da sua vida a palavra “polyamory”. Afinal já havia uma palavra que descrevia a forma como vivia com a sua menina, e melhor ainda, havia gente que falava disso sem medo e abertamente, e que falava de outras sexualidades. A grande revelação não foi a forma de viver, que já era conhecida do casalinho, mas sim as incontáveis variações possíveis, e a diversidade dos que assim viviam, e como essa forma de vida as aproximava.
E alegre por ter um nome para o seu viver, aliviado por saber que não estava sozinho no mundo, o nosso casalinho deixou de ser à moda antiga e passou a ser de geometria variável e viveu feliz para todo o sempre.
Fim!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Traduções, traições e palavras

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Quando eu descobri sites em inglês sobre polyamory, não descobri nada em português. Porque, espante-se, estava a procurar por "poliamoria".

Um dia, lembrei-me de procurar por "poliamor" - bingo. Depois acabei a conhecer mais pessoas e reparei, para minha consternação, que ninguém me sabia responder concretamente à dúvida sobre "qual a formulação correcta da palavra em português". Mais: pessoas diferentes utilizavam formas diferentes da palavra. Eu continuei a usar a versão "poliamor" (e "poliamoroso" para me referenciar a mim mesmo) - essencialmente por gosto pessoal, só porque "poliamoria" não me soava bem. Acabei até a tomar contacto com uma terceira versão: "poliamorismo".

Confesso que deixei cair a questão, e na minha cabeça traduzi todos os modos da palavra para "poliamor". Mas depois - há uma semana, mais coisa menos coisa - lembrei-me que daria um bom tema (?) para um post aqui. De modo que resolvi armar-me em linguista amador. Ou seja: se alguém discordar de mim, óptimo - manifeste-se!

Então, a ver vamos, que versão estará correcta?
Para responder a isto, perdi todos uns 60 segundos a olhar para a minha fiel "Nova Gramática do Português Contemporâneo", de Celso Cunha e Lindley Cintra.

Conclusões:
Para designar "a coisa" em si (ou seja, aquilo a que eu gostava de chamar "poliamor"), a forma mais correcta será poliamorismo.
Para designar uma pessoa que se reveja, pratique, ou afins, no poliamorismo, usa-se poliamorista.
O uso de poliamoria designará, apenas, eventualmente, o conjunto de poliamoristas, caso se considerem que formem um grupo (e.g.: cavalaria, burguesia).


Explicações:
Tudo isto radica na simples questão: O que significam os sufixos aplicados à palavra?
"-ismo" pode significar, entre outras coisas: a) doutrinas ou sistemas (artísticos, filosóficos, políticos, religiosos, etc); b) modo de proceder ou pensar.
"-ista" refere-se, entre outros sentidos, a partidários ou sectários de doutrinas ou sistemas (cujo sufixo é -ismo).
"-ia" pode significar uma noção colectiva.

Porém:
  • Não é o uso que estabelece a forma "correcta", na perspectiva de que a linguagem é um construto social cujas regras apenas existem a posteriori e como uma tentativa (sempre infrutífera) de estabelecer uma total uniformidade eficiente? E, nesse caso, qual é o uso que devemos considerar? Em português, parece-me que este tende para a versão "poliamor". (Id est, no Google temos ~33600 resultados para "poliamor" e menos de mil para "poliamorismo".)
  • Não poderemos até acabar a seguir uma via que produza uma palavra totalmente diferente desta, menos... híbrida? Ou será que isso é agora, por questões identitárias, pouco aconselhável, mesmo contraproducente?
Perguntas para as quais não tenho resposta. Convido-vos a criá-la comigo, connosco. Claro que esta pequena reflexão se debruça apenas sobre que palavras usar dentro de um conjunto limitado. Para outra altura ficarão algumas considerações sobre estas e outras palavras, noutros contextos - sem nunca deixar de lado a questão da nomeação e da identidade no processo público de reconhecimento intersubjectivo.

Foto roubada daqui.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

O que é que eles sabem do poliamor...

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Tradução: - Vocês não acham que quando o PP se manifesta pelo regresso da família tradicional se está a manifestar, no fundo, um pouco contra nós?
- Bah! Não ligues! Que é que eles sabem do poliamor, Pepito!

Da esquerda para a direita: José Rodríguez Zapatero (PSOE), José Montilla (PSC) e Carod Rovira (ERC)

No outro dia encontrei este cartoon, publicado no Público (sim os espanhóis também têm o seu) de 27.12.2007.
Quem se interesse por política poderá entender a piada sabendo que as personagens são os presidentes de três partidos espanhóis, dois dos quais participaram numa coligação de fundo algo duvidoso na Catalunha. Mas o que me chamou a atenção foi este fenómeno de reconhecimento do poliamor, ao ponto de fazer parte do humor nacional. Para tal, o autor terá assumido que a palavra e o seu significado seriam do domínio comum.
Isto faz-me recordar uma conversa que tive, escassos três anos antes da publicação deste cartoon, sentada por entre as fontes do Martim Moniz, com um amarado* espanhol. Dizia-me ele o que muita gente me dizia nessa altura. Que a ideia de poliamor é fascinante, é seguramente o que todos procuram (depois vai-se a ver e nem por isso; é preciso cuidado com o que se deseja), mas que será praticamente impossível encontrar mais pessoas que pensem assim.
- Talvez não, talvez seja só uma questão de procurar.
- Não, em Espanha não se encontra, que eu bem sei.
Nesse ano tinha, por mero acaso, sido a primeira a juntar-me ao grupo Poliamor de Espanha, equivalente ao nosso Poly Portugal, surgido 4 meses antes, e que por altura dessa conversa devia ter meia dúzia de membros. Hoje conta com quase 600, espalhados por todo o país. É uma questão de procurar....
Em Portugal o fenómeno teve uma evolução idêntica (mais de 100 membros, o que é quase proporcional), e além de encontrar pessoas que pensem como nós (que felizmente se vão encontrando), alegra-me pensar que cada vez mais pessoas conhecem o conceito, sabem que existe, e onde procurar-nos.

*amarado = palavra composta pelas palavras amigo, amante e namorado; em português, particípio passado do verbo amarar (poisar no mar; v. intr: fazer-se ao mar largo).
À falta de palavras que descrevam as possibilidades das relações humanas, reutilizam-se, moldam-se ou aglutinam-se outras já existentes. Gosto particularmente desta imagem de estar poisado no meio do mar alto, sem referências nem limites.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

polyfobia... o sabor do momento

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fiquei chocado com as recentes notícias vindas do porto...

parece que não bastava a atitude anti (poli)amorosa da ilga, recente e passada, para agora termos @s jovens da rede ex aequo a exigirem que a palavra poliamor, assim como qualquer referência à não-monogamia, fossem riscados do manifesto da marcha do orgulho lgbt do porto (mop).


julgo que o sérgio, no blog das panteras rosa, deu uma resposta cabal (talvez um pouco comprida sérgio!...), mas não queria deixar de dar aqui a minha pequena achega ao assunto.

pertencer-se a uma minoria não é fácil... sentimos isso na pele todos os dias quando decidimos assumir publicamente algo sobre nós que foge à regra geral e neste caso às regras do sistema monogâmico estabelecido. saímos do armário monogâmico e assumimo-lo com orgulho, da mesma forma que houve e há pessoas que diariamente saem do armário l, g, b ou t e assumem com orgulho a sua orientação ou condição sexual.

ser-se poliamoros@ não é exclusivo a um grupo de pessoas. é transversal e inclusivo. de nada importa se se é h ou l ou g ou b ou t ou nenhum ou um pouco de cada. a capacidade de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo é de todos. pode-se escolher não praticar, ok... mas não atirem pedras a quem o faz.

nas relações monogâmicas é tudo rosas? quem acusa @s poliamoros@s de serem galdéri@s é assim tão puro?

na minha experiência de observar as relações mono, ressalvando que vou generalizar aqui, que é sempre perigoso, vejo muitas relações monogâmicas sequenciais que em muitos casos começam antes da anterior findar.

galderice? não sei, mas prefiro à minha maneira, obrigado.

se calhar seria muito proveitoso que @s jovens da rede, bem como os menos jovens da ilga, fizessem um profunda reflexão sobre as suas posições monogâmicas e, tenho que dizê-lo, a sua polyfobia.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Uma é loira, outra é morena

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No sábado passado, o Jorge estreou-se aqui com um texto onde mencionava a famosa canção Eu tenho dois amores, popularizada em Portugal pelo Marco Paulo.

Um assunto de tamanha importância merece investigação séria.

Por isso aqui vai informação fidedigna: a melodia do Eu tenho dois amores é duns senhores napolitanos dos anos 50 (o autor de livros infantis Giuseppe Fanciulli e o multifacetado Nicola Salerno, também conhecido por Nisa, autor de sucessos como Non ho l'età).
O tema chama-se Guaglione:

Este Guaglione deu origem às mais variadas versões:
(um filme do Dean Martin)

(um mambo extraordinário)

(o francesíssimo Bambino da Dalida)

(uma coisa maravilhosa de Bollywood, em hindi)

e finalmente

(um xarope dum brasileiro chamado Fernando Mendes, já com a letra que viria a ser usada pelo Marco Paulo)


Diverti-me a descobrir estas pérolas, é verdade. Mas o que me levou a escrever aqui em vez de o fazer num simples comentário ao post do Jorge foi precisamente a letra, que, lá para o meio, diz assim:

Que este encanto não se acabe
E eu já pensei tanta vez
Pois enquanto ninguém sabe
Somos felizes os três


Seguramente muito pouco poliamoroso.

Citando o que o próprio Marco Paulo uma vez disse acerca desta música, "a letra espreme-se e não deita sumo". E eu acrescentaria: a loira e a morena poderão até ser felizes mas, se um dia alguma delas descobre, deita sangue. Para quê correr riscos?

A abordagem tradicional é de facto, muito masculinamente (seja lá isso o que for), continuar a enganar a loira e a morena, na esperança de que não descubram e continuem assim felizes os três… Ou, muito femininamente (raios partam estes estereótipos), desistir de um dos dois amores e escolher apenas um, vá-se lá saber com base em que critérios. Não seria mais simples, já para não dizer mais respeitador, ser honesto? Não será precisamente a isso que devia chamar-se ser fiel? Ser fiel a um amigo é não lhe mentir. Mas ser fiel a um amante, nesta nossa estranha sociedade, é afinal mentirmo-nos a nós próprios, negarmo-nos o direito a viver em pleno os nossos sentimentos.