sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Biologia e confusões

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Ontem, uma pessoa chamou-me a atenção para um artigo na Scientific American, que vale a pena ler. Este aqui.

Quero fazer alguns comentários. Como não podia deixar de ser!



Primeiro, o artigo bem que podia começar pelo quarto parágrafo. Sim, aquele que é suposto ser "uma tangente" ao tema em questão. Há uma boa quantidade de discurso poliamoroso que procura entender o "porquê" de se ser poly olhando para a não-monogamia dos animais, como forma de justificar a não-monogamia humana. Não vejo o interesse. O mesmo é feito com a homossexualidade, de resto. Não vejo o interesse.

Oh, sim, eu vejo o interesse estratégico. Mas não vejo o interesse das comparações. O que se pode retirar do facto de que existem animais (outros) não-monogâmicos? Ou com comportamentos homossexuais? Isso nada diz sobre nós. Não porque nós não sejamos animais, também. Mas porque a definição do que é "ser humano" (e não do que é "o ser humano") não se coaduna com comparações estranhas e naturalizantes. Convenhamos: olhem à vossa volta. O que é que vêm de natural? Roupa? Nop. Computador? Não me parece. A vossa mão? E as pomadas que lá puseram, ou o creme hidratante que foi absorvido hoje de manhã, ou os pontos que levaram daquela vez em que a faca se escapou, também são naturais? E, no entanto, aí estão esses elementos, na mão.

Segundo ponto: empatia, e a nossa empatia face à dor dxs outrxs. Este é simples: porque é que foi convenientemente esquecida a compersion? Não é também um tipo de comportamento empático? Porque é que a dor da traição [alerta, medo, fujam: traição?; a traição é contingente a um acordo que, no caso do poliamor, não é o mesmo da monogamia tradicional!] é naturalizada, e o inverso esquecido?

E depois de uma diatribe sobre o sofrimento e a química cerebral aquando de uma quebra relacional (isto sim me parece uma digressão no assunto!) - em que, pelo meio, vejo a linda pérola "mas deixando de lado a bissexualidade" - há algumas considerações não fundamentadas sobre os comportamentos não-monogâmicos na população lésbica e gay. O problema é que os estudos parecem não gostar muito de concordar com aquele autor. Giddens, em "As transformações da intimidade", salienta que apesar de as mulheres lésbicas terem percentualmente menos relações extra-diádicas do que as mulheres heterossexuais, uma maior percentagem delas era com conhecimento e consentimento da parceira; no livro "Understanding Non-Monogamies", Barry Adams cita vários estudos que apontam para uma larga percentagem de homens homossexuais a terem relações extra-diádicas com conhecimento e consentimento dos parceiros.

É caso para dizer "ups!"...

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