sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Pensar para a frente

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O poliamor é algo que se pode considerar recente. Apesar de livros como o Polyamory in the 21st century fazerem uma genealogia de variadas práticas de não-monogamia responsável que datam de bastante antes da invenção da palavra 'poliamor', a verdade é que o poliamor não é apenas uma nova palavra engraçadinha para algo que já existia há muito tempo atrás. E apesar de se ver o poliamor como uma série de práticas diferenciadas entre si (sendo que as práticas mais contrastantes poderão ser a de uma relação efectivamente 'aberta' e uma relação em regime de polifidelidade), também é verdade que há exclusões e medos a serem levados a cabo. Isso leva algumas pessoas a pensar no que estará para além do poliamor, a sentirem-se constrangidos pelas limitações de algumas visões sobre o que é o poliamor.

Uma dessas limitações poderá ser, efectivamente, um certo receio em abordar a questão do sexo. Esse receio vem, claramente, de um medo bem-intencionado.
Se aceitarmos que o poliamor tem influências claramente feministas, se aceitarmos que o poliamor é feito, pensado e (às vezes) vivido tendo em conta preocupações com a questão da igualdade de género, então será relativamente fácil de entender como isto se verte numa preocupação com uma visão machista, patriarcal, que procura transmutar o poliamor numa mera busca por sexo (em que manipulação, mentiras e objectificação entram como personagens principais). Desde o princípio do conceito que há uma procura por afastar do poliamor a discussão sobre o sexo e o comportamento sexual. E eu concordo, claramente, que o comportamento sexual está longe de ser a faceta mais importante do poliamor - por outro lado, a preocupação quase obsessiva com o falar sobre sentimentos e em cima disso tentar afastar tudo o resto já me parece extremamente interessante!

Não sei se considerar o poliamor passé é a melhor forma de abordar a questão. Creio que ainda há um potencial muito grande de evolução para ser feito. Isso não nos impede de pensar para a frente. Mas pensar para a frente também não será trazer de volta ou centralizar o discurso sobre sexo. Antes, pensar em frente deve ser pensar de forma inclusiva. Não serve de muito procurarmos ou reivindicarmos uma postura inclusiva do geral da sociedade se depois nos afastamos dessa postura quando tomamos a palavra. Há uma série de discursos que podem formar sinergias fundamentais com o poliamor: o discurso queer, o discurso feminista, o discurso étnico, o discurso económico-político pós-capitalista, o discurso do safer sex. Temos que adicionar a esta lista o discurso da promiscuidade. Temos que entender que linhas de entendimento permitem a liberdade de comportamento sexual responsável a par de uma ou mais relações amorosas. Temos que entender que os lugares dentro dos quais circunscrevemos o sexo são arbitrários, mutáveis, e podem ser encarados de formas diferentes (diferentes da maioria, diferentes da minoria, diferentes de ambas as coisas). E, já agora, que definir sexo pode ser mais complicado do que parece...

2 comentários:

Luís Miguel Viterbo disse...

Pequena tentativa de contributo para uma clarificação que me parece importante: o próprio termo «relação aberta» é demasiado monocentrista. Eu preferiria dizer «pessoa aberta a (múltiplas) relações». Sim, «pessoa» no singular.

Daniel Cardoso disse...

É verdade, mas eu estava a pensar, naquele contexto, de uma relação poliamorosa em que cada pessoa pode estar com 'n' outras pessoas, versus uma relação em que um determinado número de pessoas funciona de modo fechado. :)